O Longo Caminho até o 11 de Setembro

O Longo Caminho até o 11 de Setembro
A verdadeira história do 11 de setembro

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

O Longo Caminho até as Guerras no Oriente Médio.


Em uma das reuniões que ocorreram paralelas a uma conferência internacional para arregimentar apoio armado a grupos da oposição síria, houve uma discussão entre os ministros do Exterior da Arábia Saudita e do Qatar.

A discussão focou-se nas causas do fracasso na Síria; teve de tudo: de procurar desculpas a recusar qualquer culpa pelo que aconteceu. Um funcionário libanês disse que o ministro saudita vinha adotando tom acusatório, até que ouviu pesada resposta do ministro do Qatar.

Em resumo, o ministro qatari disse que “Nós fizemos tudo na Síria durante dois anos e conseguimos que todo o planeta abraçasse a causa da oposição síria. Você [príncipe Bandar] assumiu, e bastaram dois meses para que todo o planeta se transferisse para o lado de Bashar al-Assad”.

Esse parágrafo pode resumir todos os desenvolvimentos na Síria e
no Oriente Médio nas últimas semanas ou, mais especificamente, desde que Moscou e Washington firmaram um acordo para destruir as armas químicas da Síria, e começaram a surgir sinais de reaproximação entre os EUA e o Irã.

Mas o curso de todos esses eventos começou, de fato, há uma década, quando os EUA decidiram derrubar Saddam Hussein. Os sauditas apoiaram, mas a Síria opôs-se.

Pouco depois da queda de Bagdá, em abril de 2003, começou a tornar-se cada vez mais claro que os sauditas, aliados do vencedor da guerra do Iraque, estavam perdendo no campo político o que tinham suposto, erradamente, que teriam ganho graças à força militar de outros. Simultaneamente, os sírios, que se mantiveram aliados da parte derrotada, começaram a colher benefícios políticos, paralelos aos ganhos geoestratégicos de seus aliados iranianos.

As primeiras semanas do ataque contra a Síria podem ser identificadas nesse paradoxo observado naquele momento, sobretudo quando a coalizão dos derrotados começou a aumentar, incluindo George W. Bush, Jacques Chirac e a Casa de Saud e seus aliados no Líbano, os quais tinham muito a ganhar e muito a perder, tanto em Damasco quanto em Beirute.

Assim aconteceu a decisão de tirar do Líbano as forças de Assad – para destruir seus ganhos em Bagdá. Mais uma vez, os sauditas foram convencidos pelo comportamento de seus “delegados” norte-americanos. Mas a coisa durou pouco. Apenas alguns meses depois que o exército sírio saiu do Líbano, dia 26/4/2005, começou a ficar visível que os norte-americanos estavam também se recolhendo aos limites demarcados pelo próprio pragmatismo.

Os sauditas exigiam que os EUA apontassem a pistola para a cabeça da Síria, mas, em vez disso, Bush preferiu seguir uma abordagem de “porrete-e-cenoura”. Os sauditas queriam a “des-Baath-ificação” na Síria, mas os norte-americanos queriam mudar o comportamento do regime, não mudar o próprio regime.

A violenta resposta dos sauditas a Washington não demorou a aparecer. Como aconteceu outra vez recentemente, dia 20/9/2005 o ministro de Relações Exteriores saudita, Saud al-Faisal, criticou furiosamente o governo dos EUA, em discurso no Conselho de Relações Exteriores em New York City.

Faisal disse então que a política dos EUA no Iraque estava aprofundando divisões sectárias, preparando a balcanização do país, o que poderia levar o Iraque a cair nas mãos do Irã.

A briga entre Riad e Washington por causa do Iraque continuou durante anos, até que surgiu uma ocasião para que os dois países novamente convergissem. O primeiro ponto de convergência entre ambos acontecera no momento de expulsar do Líbano as forças sírias de Assad; o segundo foi o acordo para restaurar o equilíbrio no Iraque, apoiando Iyad Allawi nas eleições de 2010.

Quando Assad aceitou o projeto Allawi em Bagdá, a coordenação Síria-sauditas começou em Beirute. Todas as questões que envolviam os sauditas no Líbano foram postas na gaveta, inclusive o cargo de primeiro-ministro para Saad Hariri, o Tribunal Especial para o Líbano, as armas do Hezbollah e a presença síria – como se dispôs num famoso “documento de concessões” do movimento “14 de Março”, que Walid Jumblatt divulgou dia 21/1/2011, poucas semanas depois de o projeto Allawi estatelar-se contra o muro, em Bagdá.

O timing não foi simples coincidência. De fato, nas últimas semanas de 2010, o eixo Síria-Irã conseguiu, mais uma vez, abortar o sonho saudita. Allawi venceu as eleições no Iraque, mas foi Nouri al-Maliki quem, afinal, constituiu o governo. O eixo Síria-sauditas teve morte súbita em Beirute. E pouco depois começou o ‘levante’ em Damasco.

Esses são os elementos de uma equação bem ampla que afinal se pôde ver: em 2003, os sauditas perderam o Iraque; os EUA então decidiram garantir-lhes compensação no Líbano e na Síria, pelas perdas sauditas no Iraque. Em 2005, os EUA recuaram em Damasco. Pela terceira vez, sauditas e EUA perdiam: no Líbano, na Síria e no Iraque. Então decidiram virar a mesa toda, de vez, na cadeia central, e derrubar o governo de Assad em Damasco.

Mas os cálculos no Oriente são seguidamente muito complexos e, talvez, difíceis demais para que os compreendam um cowboy distante ou um beduíno próximo. Os EUA então voltaram à região, com um projeto inspirado, agora, na Primavera Árabe.

O projeto, de fato, era idéia bem simples, com roteiro assinado por Recep Tayyip Erdogan da Turquia e dirigido pelos arquitetos dos ‘levantes coloridos’: entregamos o poder em toda a Região à Fraternidade Muçulmana, e os Irmãos em troca, atendem três demandas – garantem a segurança de Israel, os interesses dos EUA e a estabilidade dos governos, sem que Washington tenha de pagar a conta.

O trem até que andou bem por esses trilhos nos primeiros tempos, na Tunísia, no Egito e na Líbia, mas a hostilidade dos sauditas contra a Fraternidade Muçulmana os levava a temer que os Irmãos, mais dia menos dia, tomassem o poder nas “cidades de sal” no Golfo.

Os sauditas, contudo, mantiveram-se em silêncio por quase um ano e meio. Opor-se a projeto bem-sucedido é sempre tática não recomendável, e eles se mantiveram recolhidos, até que, afinal, amadureceram as condições para o fracasso do projeto dos EUA.

Dia 11/9/2012, a promessa de proteger os interesses de Washington entrou em colapso em Benghazi, com o assassinato do embaixador dos EUA. Em novembro, a demanda de que a segurança de Israel seria preservada também fracassou, quando irromperam confrontos em Gaza, e o Hamás não conseguiu fazer valer o compromisso firmado entre a Fraternidade Muçulmana e Israel. E, no início de 2013, já era absolutamente evidente que a promessa de estabilidade nos países da Primavera Árabe estava reduzida a simples piada.

Tudo estava maduro para que os sauditas retomassem a iniciativa. Tinham tudo preparado para um contra-ataque, pelo menos desde meados de julho de 2012, quando o príncipe Bandar foi nomeado espião-chefe do reino.

Por muitos meses, os sauditas haviam feito todo tipo de pressão contra os EUA e os países árabes, persuadindo Washington pela quarta, ou centésima-milionésima vez, a fazer o jogo: Mohamed Mursi fora derrubado. O Qatar fora pacificado. A Turquia fora marginalizada. E Riad assumiu para ela todos os dossiês.
Até aí, parecia que os sauditas teriam triunfado completamente, e só eles, pela primeira vez em décadas. Mas naquele momento, surgiu o acordo das armas químicas, construído por Moscou. O sorriso nuclear de Hassan Rouhani surgiu em New York. E tudo veio abaixo.

É de se esperar que Riad perca completamente a compostura, a sobriedade e até a razão. Todas as arenas converteram-se em caixas de mensagens a transmitir as objeções e rejeições dos sauditas, de Maaloula a Trípoli; e do Tribunal Especial para o Líbano ao Conselho de Segurança da ONU, com Bandar a esbravejar e berrar, e todos confusos, sem entender o relacionamento com os sauditas: os EUA são lacaios do Reino Saudita, ou é exatamente o contrário? (...)

Por outro lado, o governo iraniano modificou a abordagem e a retórica relativamente à crise no Iraque e na Síria. As insinuações e as sombrias indicações indiretas das declarações iranianas até agora feitas deram lugar à crítica aberta do apoio da Arábia Saudita ao Estado Islâmico do Iraque e do Levante [ISIL, no acrônimo inglês].

Dois destacados membros da comissão de assuntos estrangeiros e de segurança do parlamento iraniano referiram-se com veemência a Riad – “A Arábia Saudita é o apoiador espiritual, ideológico e material do ISIL e o soberano saudita atribuiu ao anterior chefe dos serviços de informações [o príncipe Bandar] a missão especial de apoiar o ISIL”,
(Mohammad Hassan Asafari).

Significativamente, o Líder Supremo Ali Khamenei repetiu uma expressão cunhada pelo Imã Khomeini nos primeiros anos da revolução iraniana, referindo-se à Arábia Saudita como um mascote dos EUA e um cúmplice disfarçado de Israel. Dirigindo-se no domingo a um grupo de recitadores do Corão, em Teerã, disse que existe uma diferença entre o “Islã americano” e o verdadeiro Islã – “O Islã americano, embora tenha nome e aparência islâmica, contemporiza com o despotismo e o sionismo…e está inteiramente a serviço do sionismo e dos EUA.”

Entretanto, o apoio aberto à idéia de um Estado curdo independente no norte do Iraque manifestado pelo primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu – para além das visitas a Erbil na semana passada do secretário de Estado norte-americano, John Kerry, e do secretário dos negócios estrangeiros britânico William Hague – alertaram Teerã para a calibrada estratégia anglo-americana (com a participação de Israel) de criar um “Estado petrodólar” junto à fronteira ocidental do Irã.

Teerã acompanha atentamente a forte presença dos serviços de informações israelenses em Erbil. Numa declaração pouco usual, Teerã contestou frontalmente a emergência de um Curdistão independente. Hossein Amir Abdollahian apontou à liderança curda que seria imprudente enveredar pelo caminho da secessão. Um destacado membro do parlamente criticou pessoalmente o líder curdo iraquiano Massoud Barzani e a sua intenção declarada de anexar Kirkuk.
Barzani é próximo dos serviços de informações israelenses. O incremento da atividade desses serviços na região do Curdistão e a iniciativa de Netanyahu no sentido de se imiscuir nas divergências inter-iraquianas explicam a emergente possibilidade de Teerã considerar reatar o apoio ao Hamas.

Os laços entre Teerã e o Hamas restringiram-se nos últimos anos, depois da catastrófica decisão de Khaled Mashaal de abandonar Damasco e de se instalar em Doha, alinhado com os países da região que pressionavam uma mudança de regime na Síria. 

Sem dúvida que Mashaal será hoje um homem mais sábio (e mais triste), como é visível na carta que dirigiu ao presidente iraniano, Hassan Rouhani, pedindo ajuda. Para além disso, Teerã realizou uma importante manobra na frente diplomática. O vice-ministro do Exterior, Abdollahian, deslocou-se no fim-de-semana a Moscou para consultas com o seu homólogo russo relativas ao desenvolvimento da situação no Iraque e na Síria, em particular no que diz respeito à necessidade de frustrar a estratégia dos EUA.

É visível nestas conversas em Moscou um elevado grau de coordenação russo-iraniano. Naturalmente, o Irã saúda a iniciativa russa de envio de aviões a jato e conselheiros militares para Bagdá. O objetivo de ambos os países será de recusar a Washington a prerrogativa de ditar o governo do Iraque.

É interessante registrar que Moscou atendeu a solicitação de ajuda por parte do primeiro-ministro em funções Nouri al-Maliki, não obstante as desesperadas tentativas de Washington para o apear e o substituir por uma figura mais manejável à frente do governo de Bagdá. Os meios de comunicação ocidentais quiseram arrumar Maliki como definitivamente queimado, mas Moscou e Teerã poderão não ter a mesma opinião.

Teerã concluiu que a saga do ISIL no Iraque é um empreendimento EUA-Saudita e que o Catar foi excluído dele. (As relações Sauditas-Catar estão em estado de congelamento). O conclave que se reuniu com Kerry em Paris a 26 de Junho para discutir o roteiro para o Iraque e a Síria incluía a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos e a Jordânia, mas a ausência do Catar saltava à vista.

Nesses termos, no domingo Rouhani pegou no telefone e debateu com o Emir do Catar os desafios do Iraque e do ISIL. Rouhani propôs que o Irã e o Catar se juntassem para combater o terrorismo no Iraque. Na segunda-feira igualmente, numa chamada telefônica do primeiro vice-presidente do Irã para o primeiro-ministro sírio, Wael al-Halqui, Teerã reiterou o seu apoio ao presidente sírio Bashar.

O significado fundamental destas iniciativas na frente diplomática é que o Irã espera infligir uma esmagadora derrota ao ISIL. Está claramente em curso a mobilização para esse objetivo. O Irã não permitirá que a vitória conseguida na Síria seja posta em causa pelas forças derrotadas através da ofensiva do ISIL no Iraque; nem irá contemporizar com uma reversão do ascendente xiita no Iraque pela porta dos fundos da “balcanização” do país. Em resumo, Teerã não está disponível para comprometer os seus interesses vitais e as suas preocupações centrais na Síria e no Iraque apenas porque as conversações entre o G5+1 e o Irã acerca da questão nuclear se aproximam da reta final.

Todavia, com todo este cenário sendo montado pelas principais potências da atualidade, os desmandos promovidos pelo auto proclamado Estado Islâmico, que culminaram com o assassinato dos dois jornalistas americanos jogaram um balde de água gelada sobre a Casa Branca que se vê sendo pressionada pela sociedade americana e a comunidade internacional. Isto levou o presidente Obama a assumir uma postura mais firme contra os mercenários e terroristas que ele mesmo ajudou a construir para a erradicação do governo de Bashar Al-Assade da Síria. Infelizmente, a comunidade de inteligência internacional não acredita nesta retórica fornecida por Washington. Todos sabem, nos bastidores, que trata-se de mais uma peça teatral montada às pressas pelo governo americano. Contudo, uma imagem já começa a tomar vulto: A de que Obama está perdendo o controle de suas jogadas nesta região. Os resultados são pouco previsíveis. Infelizmente, construir é mais difícil do que destruir.


Tags: Arábia Saudita, armas químicas, Damasco, EUA, guerras, Irã, Oriente Médio, Qatar, Síria.



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