O Longo Caminho até o 11 de Setembro

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A verdadeira história do 11 de setembro

terça-feira, 29 de julho de 2014

A Tragédia Palestina - Os índios modernos

Goyathlay (Gerônimo) dos apaches chiricahua
      Yasser Arafat Presidente da Autoridade Nacional Palestina

A tragédia moderna do povo palestino, habitante autóctone da região que leva seu nome, encontra paralelo na história da colonização dos EUA, vivenciada pelos povos do oeste, em particular os povos índios (nativos), que foram massacrados pela mais formidável máquina de guerra existente na época, o exército dos Estados Unidos. Durante toda a segunda metade do século XIX, a descoberta de metais preciosos, a construção de estradas e ferrovias, foi marcada pela criação de um elemento perigoso ao progresso da nação. E é neste contexto que entram em cena, portanto, os índios, clássicos protagonistas dos westerns, sempre vistos como um inimigo a ser batido, um entrave à chegada dos colonizadores que, através de seu ideológico “destino manifesto”, consideram-se um povo privilegiado, com autorização divina para conquistar e exaurir aquelas novas terras, tal qual a retórica do estado sionista de Israel.

          Em seu clássico: Enterrem Meu Coração na Curva do Rio (1970), o historiador Dee Brown apresenta inúmeros relatos de índios, extraídos de reuniões oficiosas com representantes do governo dos Estados Unidos. Em sua maioria, as grandes tribos do sudoeste dos Estados Unidos foram massacradas pelos exércitos confederados e yankees que, durante a guerra civil, não queriam vê-los por perto, tentando despachá-los, todos juntos, para áreas reservadas distantes de suas terras de origem. Antes e depois da guerra, os massacres foram justificados pela construção de estradas, ferrovias ou até mesmo pela dizimação dos búfalos, principal fonte de alimentos dos nativos. Ainda que muitas etnias tivessem membros saqueadores e “invasores” (o território não era deles?), a maioria das tribos queria apenas continuar vivendo de acordo com seus costumes e em suas terras de origem. Muitas delas não se importavam com a convivência com o homem branco, desde que não fossem massacrados por eles. Brown registra um comovente relato do chefe Cadette, dos Navajos, por volta de 1861, em Santa Fé, após a crescente investida do general Carleton, yankee interessado nos minerais das terras dos índios (já que não havia mais confederados para combater naquele lugar):

          Vocês são mais fortes que nós. Lutaríamos com vocês se tivéssemos rifles e pólvora; mas suas armas são melhores que as nossas. Dêem-nos armas iguais e nos deixem livres, que também os combateremos; mas estamos abatidos; não temos mais ânimo; não temos provisões, nenhum meio de vida; suas tropas estão em toda parte; nossas fontes e poços estão ocupados ou vigiados por seus jovens. Vocês nos tiraram do nosso último e melhor baluarte, e não temos mais ânimo. Façam conosco o que bem entenderem, mas não se esqueçam de que somos homens e bravos. (BROWN, 2006, p. 34).

          O paralelismo entre os dois conflitos – Árabe e Israelense; brancos e índios - é e não é um espaço pós-colonial. Ele é – na medida em que, dentro da História americana, acontece após a independência dos Estados Unidos. Passa-se, portanto, após o período colonial “oficial”. Mas ele não é propriamente pós-colonial, no sentido em que os filósofos do pós-colonialismo tradicionalmente encaixam o termo. Seu espaço é o da guerra constante e, neste ponto, atual. Não apenas uma guerra econômica, cultural, étnica, representacional. Os habitantes do oeste americano do século XIX – e em especial os índios – assim como os palestinos, estão envolvidos em conflitos armados capazes de dizimar suas populações.
          O paralelismo entre estes dois momentos históricos, o passado e o atual, situa-se no espaço da guerra, no caso o americano com sua guerra civil, e no israelense com o conflito com os árabes, e o da expansão, para o grande oeste: espaços pontuados pelo armamentismo e pela expansão militarista e o dos assentamentos dos colonos judeus. A relação entre índios e brancos, judeus e palestinos não pode ser vista como uma simples (e complexa) relação de voz e supressão de voz. O subalterno aqui não apenas não pode falar; não pode viver. É um espaço colonial, ainda que não-declarado, porque as vozes privilegiadas não têm apenas o poder simbólico, têm o poder militar e o usam contra as vozes suprimidas – as vozes dos índios e dos palestinos. Isso não impede, porém, que nesse espaço de guerra e subjugação de uma cultura por outra através da via militar haja trocas simbólicas. Mais do que isso, não impede que haja, nesse espaço de conflito, fuga e busca. E é essa a lição: a constituição de semânticas culturais que se alternam, mesmo em um espaço colonial, ou seja, o emprego de uma retórica pós-colonial dentro de um espaço de colonialismo. Talvez seja, ainda mais do que um colonialismo propriamente dito, a apropriação de terras através da expulsão e dizimação de seus habitantes naturais. Os yankees e confederados, assim como os judeus não estavam e nem estão muito interessados em estabelecer de fato uma relação colonial com os índios ou os palestinos. No passado, assim como no presente o desejo sempre foi um só, acabar com eles ou isolá-los em um espaço onde eles não pudessem interferir em seus interesses expansionistas.

          O oeste americano do século XIX, bem como o território palestino, é, portanto, um espaço de conflito ideológico, cultural, territorial e militar. E o conflito é um fim em si mesmo.

Francisco Carlos Bezerra