Com a economia reluzindo, sem
inflação e desemprego, o crime em baixa e nenhum inimigo externo capaz de
afrontar a potência americana, Clinton estava se preparando para entrar na
história como o administrador de uma época dourada, de prosperidade e paz. Até
seus esforços de valorizar o governo, sem gastança excessiva e com sobras no
orçamento, estavam dando certo. A imprensa e, especialmente, as redes de
televisão americanas viviam num ambiente de calmaria. Durante cinco anos na
presidência, Bill Clinton safou-se das maiores orquestrações já armadas contra
um presidente americano, neste século. Um a um, ele foi derrubando esses
ataques ou, quando não podia, minimizando as acusações, falsas ou não
suficientemente comprovadas. Assim, ele batia recordes de aprovação nas
pesquisas de opinião. Apesar das amantes, dos ricos e sinistros contribuintes
de campanha, da vulgarização da Casa Branca, transformada num hotel para
doadores generosos, o presidente tinha na economia sólida um pára-raios
aparentemente intransponível. Foi neste momento que seus inimigos começaram a
massacrar a sua imagem.
No dia 17 de janeiro de 1998, o
presidente Bill Clinton prestou um depoimento inédito na história da política
americana. Pela primeira vez, um presidente foi interrogado como réu. Clinton
estava diante dos advogados da morena do Arkansas, Paula Jones, que havia feito
uma acusação pesada de assédio sexual contra o presidente. Tratava-se de um
pedido de favores que ele lhe havia feito, quando ainda era governador do
Arkansas. Ela pedia na justíça uma indenização além de um pedido público de
desculpas. Na tentativa de provar que Clinton era um conquistador incorrigível,
os advogados de Paula saíram à caça de todas as mulheres que, real ou
supostamente, tivessem se envolvido com o presidente. Em segredo de justíça,
colocaram em pauta o caso Monica Lewinsky, até então desconhecido da opinião
pública. Indagado sobre Monica, Clinton negou qualquer relacionamento sexual.
Foi quando cometeu um erro que lhe custaria caro, pois ao negar, já que estava
sob juramento, cometeu perjúrio. Para este mesmo processo, os advogados de
Paula convocaram Monica para depor. Foi aí que, em desespero, o presidente
cometeu seu segundo erro: Clinton acionou o amigo de todas as horas, o advogado
Vernon Jordan, para incentivar e ensinar Monica como enganar um juiz. E, de
acordo com as orientações, Monica também negou o romance.
“O senhor manteve relações sexuais
com essa jovem?”, perguntou Jim Lehrer, que comanda, no canal governamental
PBS, o mais respeitado programa político da televisão americana. “Não há
relacionamento sexual.”, respondeu Clinton, usando de modo evasivo e suspeito o
verbo no tempo presente. Quando Lehrer perguntou ao presidente se ele, ou
alguém a pedido dele, tentou convencer Monica a mentir em juízo para
protegê-lo, Clinton escondeu-se numa resposta ensaiada: “Não pedi a ninguém
para falar nada que não fosse verdade”. Ficou no ar a forte impressão de que o
presidente tinha algo a esconder. Cada palavra dos assessores era medida e
pesada pelo advogado Robert Bennett, antes de ser pronunciada.
A capacidade de comunicação de
Clinton, um político experiente, chegou a falhar. A certa altura, entre uma
reunião na Casa Branca com o primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu e a
iminente visita do líder palestino Yasser Arafat, ele desabafou: “Preciso
controlar meus impulsos naturais e voltar ao trabalho. Há muita coisa a ser
feita.”, disse o presidente referindo-se, obviamente, à raiva que sentia de
seus acusadores. Não houve um comentarista que não concordasse que o presidente
precisava mesmo “controlar seus impulsos”, mas não necessariamente a raiva.
Nomear um promotor especial é uma
maneira de investigar um presidente, teóricamente, longe dos venenos e
intemperanças das disputas partidárias. Seu papel é tradicional na democracia
americana. Desde que se conhecera como presidente, Clinton tinha um promotor
especial em seu encalço. Ronald Reagan e George Bush também os tiveram. Esse em
questão, Kenneth Starr, renasceu com o caso Monica Lewinsky. Ele andava apagado,
depois de ter consumido quatro anos de trabalho e pelo menos US$ 30 milhões de
dólares de dinheiro público, sem ter conseguido enquadrar o presidente ou sua
esposa em qualquer artigo do código penal, com relação ao chamado caso
Whitewater, nome genérico de falcatruas imobiliárias e financeiras em que Bill e Hillary
Clinton se envolveram em Arkansas há muitos anos atrás. “Persigo a verdade, não
o presidente.”, afirmava Starr.
Orientada, Linda Tripp, que era
funcionária do Pentágono, procurou o promotor e lhe entregou dezessete fitas
contendo as gravações das conversas íntimas entre ela e Monica Lewinsky. Nestas
conversas, além das revelações íntimas, o que mais interessava à Justíça, no
entanto, eram as operações de acobertamento do caso conduzidas, segundo o que
Monica contava a Linda, por Vernon Jordan. Naquela ocasião, Monica se referia
ao presidente como “ele” ou “o canalha”. Ela tinha medo de ir para a cadeia
porque ao contrário do que dizia nas suas conversas com a amiga, assinou um
depoimento oficial garantindo que nunca teve nada com Clinton. Confusa,
discutiu com Linda se deveria continuar mentindo ou abrir tudo. Monica sondava
a amiga sobre a possibilidade de que ela também prestasse falso testemunho, e
aí entrava um documento misterioso, com instruções sobre como Linda deveria
mentir em juízo. Foi
nesse ponto que Linda levou o caso ao promotor Kenneth Starr. Com a ajuda dela,
agentes do FBI, a serviço de Starr, grampearam, eles próprios, uma conversa
entre as duas mulheres. Durante um almoço no restaurante do elegante Ritz
Carlton, na capital americana, dois agentes aproximaram-se da mesa onde ambas
se preparavam para comer e chamaram Monica para uma conversa. Ela saiu dali
certa de que estava numa fria.
Nas conversas com Linda, Monica dava
mostras de como torcia desesperadamente para que Clinton fizesse um acordo com
os advogados de Paula Jones e pusesse fim ao processo. Esse processo tornaria
seu falso depoimento, um documento desnecessário, esquecido. Essa era a única
passagem conhecida das fitas, em que Monica Lewinsky parecia desesperada. “Ele não
vai fazer o acordo”, disse Monica. “Ele se recusa.” Em outro trecho, diria a
Linda que não conseguiria contar a Clinton que já havia revelado o caso deles
para muita gente. “Se eu fizer isso, vou simplesmente acabar me suicidando.” Em
diversas passagens das fitas, Monica dava a entender que se encontrou com
Vernon Jordan. Em nenhum momento, porém, ela disse explicitamente que Jordan
lhe pedira para mentir.
Pela primeira vez num instante de
crise e de desafio à credibilidade do governo Clinton, 54% dos americanos, de
acordo com pesquisas CNN/Gallup, achavam que o presidente estava mentindo. Onde
antes só havia boatos, suspeitas e maledicências, passaram a existir fitas,
documentos escritos, testemunhas de carne e osso e um promotor, Kenneth Starr,
com faro de caçador, alma de puritano e disposição quase religiosa de fazer uma
faxina na Casa Branca.
De acordo com os planos de inimigos
ocultos, cuja finalidade, além de destruir a imagem do governo democrata e,
particularmente, do presidente Clinton, era a de camuflar o início das
operações secretas que mudariam para sempre, as relações que a América mantinha
com as Nações Unidas, no comércio e nas relações exteriores com as demais
nações. Nestes planos, estava incluída também e eleição de um novo presidente
Republicano, que já haviam escolhido para disputar as prévias do partido.
Tratava-se de ninguém menos do que George Walker Bush.
A história do escândalo sexual e das
mentiras nos depoimentos oficiais explodiu como uma bomba, diante de um país
estarrecido e de um presidente com ar perigosamente acuado, pois perjúrio e
obstrução da Justiça são crimes sérios nos Estados Unidos. Nixon caiu em 1974
por essas mesmas razões legais. Assim, a palavra “impeachment” queimava nos
lábios dos adversários e, espantosamente, também na boca dos amigos do
presidente. “Se as acusações forem verdadeiras, elas podem dar início a um
processo de impedimento legal do presidente”, reconheceu George Stephanopoulos,
um dos mais leais buldogues de Clinton, a quem, como assessor, ajudou a eleger
duas vezes.
Com um clima de crise pairando sobre
Washington, de maneira particularmente agourenta, dezenas de intimações foram
disparadas para a Casa Branca, com a precisão de mísseis guiados a laser.
Vernon Jordan, Betty Currie (era o nome da fiel secretária que Monica dava,
depois de ter saído da Casa Branca, nas visitas que fazia à sede da
Presidência), o chefe do serviço secreto e mais três assessores diretos do
presidente, teriam de depor em
juízo. Jordan , já enroscado em antigas transações de Clinton,
negou tudo. Restava, assim, a Bill Clinton, lutar para salvar sua presidência.
Membro do CFR, Clinton correu a Nova York para pedir
proteção aos seus colegas. Entre eles, o patrono David Rockefeller. Não tardou
muito para que uma solução fosse apontada. Contudo, ela custaria um esforço de
guerra contra um ditador surgido em outro continente. Mas precisamente na
Europa, na região conhecida como Balcãs.
Do Livro:
O Longo Caminho até o 11 de Setembro.
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